O estímulo da gratidão nas crianças
- Marli Nunes
- 12 de ago. de 2021
- 4 min de leitura

A importância da conexão social torna-se um segredo para nos tornarmos inteligentes, felizes e produtivos com a vida. A sociedade de consumo é um termo bastante utilizado para representar os avanços de produção do sistema capitalista, que se intensificaram ao longo do século XX e estimulam até hoje a busca da felicidade pelo “ter”. Mas vamos refletir: “Do quanto precisamos para sobreviver?” A teoria de Maslow quando traz na pirâmide que o mais essencial e básico são as necessidades fisiológicas (moradia, comida, abrigo), mas isso contradiz o pressuposto de que os mamíferos são incapazes de se cuidar sem o outro.
Quando pensamos que nós só sobrevivemos se tivermos alguém que tenha uma grande necessidade de se conectar conosco para nos cuidar, realmente faz refletir da dimensão que, este cuidado motivado pelo outro, é extremante importante para a nossa existência e a reflete diretamente na forma como lidamos com a vida e com os outros. E quando somos bebês já somos conectados à dor social, quando sentimos a separação deste ser que se propôs a cuidar de nós. Ao viver esta dor da separação, o bebê já se conecta com níveis biológico, psicológico, quando o desejo de se conectar é frustrado.
As emoções sociais são desenvolvidas a partir de exposições relacionais desde o nascimento, e o processo de maturação ocorre em paralelo ao desenvolvimento de outras áreas cerebrais como a cognição e o comportamento.
A dor social é o sentimento de não pertencimento, uma experiência sensorial e emocional desagradável quando há o contato com a rejeição. Exames neurológicos mostram que a experiência da rejeição ativa no cérebro as mesmas áreas que são ativadas durante a dor física, isso explica porque sentir-se rejeitado dói tanto e é tão difícil de lidar, e está relacionado a diversos indicadores de saúde como morbidades, disfunção do sono, estresse crônico, aumento da percepção de dor e bem-estar.
A função da família e meio social da criança tem papel fundamental não só da nutrição, como para o desenvolvimento mental cognitivo, efetivo e emocional desta criança para prepara-la para o que ela irá experimentar e se adaptar à vida. Sentimentos como tristeza, raiva, ostracismo, frustração e, quando a solidão é persistente, promove mudanças do sistema fisiológico e se torna um importante fator de risco para morbidades.
Neste contexto, é de suma importância que seja gerada uma rede social que estimule comportamentos pró-sociais como a expressão da gratidão, demonstração de amor, que são alguns dos impulsionadores que estimulam a coesão do relacionamento positivo de amizade de qualidade. Os relacionamentos sociais positivos amortecem as emoções negativas e propagam os efeitos positivos das emoções com benefícios duradouros na saúde mental e no bem-estar. Se conectar com o outro faz parte da sobrevivência humana e essa conexão, cria sincronia nos cérebros envolvidos facilitando a formação de estruturas sociais e coesão, tornando-os mais protegidos para exposição a ameaças; e estimula até previsão do comportamento do outro.
A ausência destas conexões (que é a se conectar genuinamente com o outro) pode gerar o isolamento social e o distanciamento. Ao se sentir só, o indivíduo sente e percebe o isolamento, estimula o indivíduo a ter atitudes e pensamentos mais negativos em relação aos outros, então a solidão percebida leva ao distanciamento social como forma de defesa, o que irá promover impactos na saúde mental e com amplo risco de morbidades e mortalidade e que por um longo período pode afetar até a cognição. Por outro lado, as emoções ajudam os indivíduos a se unirem e a sincronia dos seus pares por meio de atributos, comportamentos e atitudes, pode chegar ao nível de predizer o seu comportamento, o que aumentam a qualidade do relacionamento e a semelhança consigo mesmo.
Além de todos estes benefícios citados, o cérebro social faz o aprendizado quando estamos socialmente motivados, mostrando ser mais eficaz que a rede analítica que ativamos quando tentamos memorizar. Esta afirmação foi comprovada na Revolução Francesa quando, pela escassez de professores, crianças ensinavam crianças.
Se sentir seguro com o outro tem uma função extremamente importante na diminuição de estímulos desagradáveis tanto a nível neural como comportamental. Dessa forma, estar vinculado ao outro em um relacionamento positivo em que se compartilhe a reciprocidade, confiança, a segurança, o apoio, o cuidado, além de expressões constantes de emoções positivas, como gratidão, fazem com que o vínculo entre pares se torne duradouro e aumente a percepção de satisfação com a vida e ao longo dela.
O sentimento de gratidão ocorre quando uma emoção positiva é percebida na realização de um ato gentil de um benfeitor para um destinatário que deve perceber o ato com emoções valenciadas por fatores intrínsecos, ou do ambiente. Agradecer e elogiar o benfeitor pelo ato de gratidão pode ser o gatilho para a resposta positiva de interação social. As crianças quando estimuladas desde pequenas por seus pais a perceberem o ato de gratidão e a expressar a gratidão sentida são mais propícias a identificar pessoas e se engajar em relacionamentos de qualidade.
A gratidão possui variabilidade entre indivíduos e, por isso, pessoas percebem a gratidão com valências diferentes, quanto maior a percepção da ação do benfeitor, maior sensação de gratidão. Por outro lado, no envelhecimento, a percepção de uma vida com limite e um menor tempo a ser vivido faz com que as pessoas otimizem as escolhas de vida e se permitam viver relacionamentos. Estudos apontam que um dos fatores de maior investimento em pessoas mais velhas é o relacionamento social e afetivo. Essas pessoas estão mais abertas a iniciar novos laços de amizades e a cultivar com mais dedicação os relacionamentos antigos. Então, a gratidão passa a ser o elo entre essas pessoas, proporcionando momentos de prazer e bem-estar ao trocar gentilezas e expressá-las por isso.
Somos criaturas de grupo e buscar ter uma vida baseada em relacionamos positivos e com gratidão é criar emocionalmente condições para viver uma vida mais feliz e satisfatória.